Páginas

sábado, 15 de novembro de 2008

Pai em construção



"... resolvi perguntar-lhe o que é que ele dizia se tivesse de descrever o pai a alguém que não me conhecesse:
«Dizia que não podia falar com essa pessoa e que não podia entrar, porque o pai não o conhecia e essa pessoa podia ser um ladrão.»" (pág. 12)

"Para os novos pedagogos, bater nunca é a solução. E eu dou por mim a pensar quem serão esses novos pedagogos? Não terão eles filhos que se espojam no chão do supermercado se não lhes compram mais um brinquedo qualquer?" (pág. 79)

"Sei de pais que compraram carros mais baratos e que se mudaram para casas mais modestas só para terem os filhos em bons colégios. Eu sou incapaz de tanto altruísmo. Só mudava para uma casa mais barata se fosse para comprar um carro melhor. Não percebo a lógica de se abdicar de conduzir um BMW para colocar um filho no Valsassina e depois ir buscá-lo à porta do colégio de Fiat Punto." (pág. 94)

"As actividades extracurriculares das crianças estão muito na moda. Depois da escola, os miúdos dividem-se entre a equitação, o ballet, o karaté ou o judo, e outras actividades que tais.
Quem não tem nada para fazer depois da escola é porque é pobrezinho e mora longe. Todos os outros só têm autorização para aparecer em casa noite escura, de preferência, bastante cansados, a tempo de jantar e ir para a cama.
Os especialistas chamam a estes miúdos «crianças agenda». E porquê? Porque têm uma agenda mais preenchida que um administrador de seis empresas públicas: às segundas, é ginástica; às terças, natação; às quartas, é ballet; às quintas, karaté; às sextas, danças folclóricas do Uzbequistão; aos sábados, equitação; e aos domingos, «macacos me mordam se não há-de haver uma festinha de aniversário para impingir os putos»." (pág. 95)

"E não é só a mentir que as crianças aprendem com os adultos, também vão buscar a criatividade aos mais crescidos. São geralmente os pais que os convencem de que os presentes são dados por um velhinho de barbas brancas que nunca se vê, que a Páscoa é a altura do ano em que os coelhos põem ovos e que há uma fada que dá dinheiro a troco de dentes de leite. E depois admiram-se que as crianças sejam mentirosas." (pág. 101)

"Nos últimos anos, os pais passaram de eventuais negligentes a controlodores efectivos e as crianças são criadas e educadas numa cultura de risco zero. Os meninos não se podem sujar, não se podem magoar, não devem andar sozinhos nem falar com estranhos, não podem fazer recados nem ser achincalhados na escola." (pág. 127)

"Pai em Construção", de Francisco Abelha
(com ilustrações de Nuno Markl)
Editora Verso da Kapa


Sem comentários: